A Assistência Social e a
população empobrecida, objeto de sua ação, são estudadas em seu contexto
histórico, sob as influências políticas, econômicas e culturais. Portanto, a
busca por tendências e resistências no desenvolvimento da Política Pública de Assistência
Social, se faz necessária para melhor compreender o tecido Social, aonde o CRAS
desenvolve as suas ações, visto que, conforme disposto em Brasil (2009), as
atribuições do CRAS se constituem em elaboração de diagnóstico do território de
abrangência, o mapeamento e a organização rede sócio assistencial, a inclusão
dos indivíduos e famílias em programas e serviços, e gestão do território,
entre outras.
O CRAS é apresentado à
comunidade como Unidade Estatal responsável pela oferta e operacionalização do
Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), em uma base
territorial, que compreende áreas de vulnerabilidade e risco social, para atuar
com famílias e indivíduos em seu contexto comunitário. O artigo se desenvolve
em quatro tópicos, sendo: Política de Assistência Social, Território, CRAS e,
Desafios e Tendências.
Gerenciar o CRAS é um
desafio de resistência ao projeto neoliberal de Estado mínimo, ao sistema
capitalista que torna as relações de trabalho precárias, sendo que ambos
remetem aos indivíduos, à família e a sociedade a primazia da responsabilidade
pela solução dos seus próprios problemas. A resistência se constrói com
propostas inovadoras que possibilite o fortalecimento das equipes profissionais
e a efetivação de possibilidades concretas de participação e protagonismos dos
usuários.
Unidade Pública Estatal
no Território
O CRAS é a face do Estado no
território, unidade responsável pela operacionalização da PSB, espaço de
acolhida e escuta da população empobrecida. Conforme Brasil (2009, p. 09), este
ente do serviço público é definido como “unidade pública estatal
descentralizada da política de assistência social, responsável pela organização
e oferta de serviços (...) nas áreas de vulnerabilidade e risco social”. A
principal tarefa do CRAS é desenvolver as ações propostas no Serviço de
Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) que é descrito em Tipificação
(2009, p. 06) como
trabalho social com famílias, de
caráter continuado, com a finalidade de fortalecer a função protetiva das famílias,
prevenir a ruptura dos seus vínculos, promover seu acesso e usufruto de
direitos e contribuir na melhoria de sua qualidade de vida.
Para que o CRAS se torne um
serviço “preventivo, protetivo e proativo”, há muito por fazer. Um dos grandes
desafios está na gestão dos recursos e ações
públicas, na tomada de decisão dos governos municipais em priorizar o
desenvolvimento da cidadania participativa, na garantia do acesso a direitos e,
efetivamente fazer da gestão do território uma das atribuições do CRAS, utilizada
como instrumento de integração das potencialidades dos indivíduos, das famílias
e consequentemente do território, para que a cidadania seja conquistada e não
atribuída apenas através dos direitos civis.
População atendida pelo
CRAS
Conforme Silva em CBAS
(2013) o público alvo do CRAS é predominante de “‘famílias monoparentais’, (...)
unidades domésticas em que as pessoas vivem sem cônjuge, com um ou vários
filhos com menos de 25 anos e solteiros”, neste trabalho consideramos como “população
empobrecida”, ou seja, famílias moradoras em bairros distantes, regiões
centrais, encostas de morros e margens de rios. Yasbek (2007) define como “classe
subalterna” e refere se tratar de indivíduos e famílias com predominância de
“exclusão do usufruto da riqueza socialmente produzida”.
Para compreender melhor o
conceito de “pobreza”, recorremos a Nogueira (1991, p. 101-113) que ensaia uma
conceituação, amparada por autores como Abranches (1987), Jaguaribe (1986), Santos
(1979), Sposati (1988) e Vieira (1985) – autores que se constituem fonte
importante também a Yasbek (2007). Na análise de Nogueira “os miseráveis mal
vivem, apenas sobrevivem”. Em ambas as autoras percebe-se a predominância dos
fatores econômicos (renda) para conceituar a pobreza. Mas em Nogueira (1991, p.
108), citando Spozati (1988) aparece o atributo frustração, por não conseguir “suprir
as condições mínimas de sobrevivência”.
Na perspectiva de completar
nossas premissas, consultamos Coutinho (1990, p. 21-40) que busca compreender Gramsci,
“que diz frequentemente que, tudo é política”,
que a política existe “quando existe uma relação de poder”. Afirma que “a
condição necessária para pensar a esfera política é examinar previamente as
bases econômicas onde a ação política se desenvolve”, em nosso caso a exclusão
do acesso à riqueza produzida socialmente, ou “pobreza”. Para concluir este
item retornamos a Nogueira (1991, p. 110), que citando Demo (1968) nos
apresenta a “pobreza política” e a define como “privação de cidadania, ou seja,
é pobre também a pessoa que ‘vive em estado de manipulação, ou destituída da
consciência de sua opressão’”, este conceito político da pobreza perpassa o
estudo em curso.
Um Olhar para o CRAS em
Dados
Conforme (Relatório de
Gestão 2012) em Brasil (2013), existem 7.725 CRAS no território nacional, os
dados de agosto/2012 informam que os CRAS estavam acompanhando 2,5 milhões de
famílias no PAIF, com previsão de expansão em mais 140 unidades de CRAS/PAIF
para 2013. A uma clara evolução dos atendimentos de famílias PAIF no período
entre os anos de 2007 e 2010, mas a partir deste ano ocorre uma queda nos
números que, refletem mudanças na forma de contabilizar os dados, bem como, é
evidente que os CRAS não conseguem atender em plena capacidade. Veja na tabela
abaixo.
Tabela
– Evolução dos Atendimentos PAIF 2007 a
2012.
Variável
|
2007
|
2008
|
2009
|
2010
|
2011
|
2012
|
Total
de famílias em acompanhamento pelo PAIF no Mês
|
938.164
|
1.132.851
|
1.722.517
|
1.976.243
|
1.572.580
|
1.775.839
|
Capacidade
anual de atendimento do CRAS
|
2.692.400
|
2.834.500
|
3.452.000
|
4.637.400
|
4.961.100
|
5.104.100
|
Total
de CRAS considerados
|
3.734
|
3.937
|
4.871
|
6.620
|
7.151
|
7.262
|
Resultado
|
34,84%
|
39,97%
|
49,90%
|
42.62%
|
31,70%
|
34,79%
|
Fonte:
Censo SUAS (2007-2011) e RMA (2012). Gráfico extraído do relatório de gestão –
2012, da Secretaria Nacional de Assistência Social - SNAS, (2013, p. 46).
O CRAS está inserido no
território próximo as famílias, mas ainda segundo dados do Relatório de Gestão (ibidem),
em 47,7% dos municípios existem problemas de estrutura, isso representa 3.568
municípios, “sendo a variável ‘possuir rota acessível’, a de maior impacto”. Assim,
mesmo perto o CRAS continua longe da população a ser atendida. Um dado importante
é que 21% dos CRAS “ainda é significativo o percentual de (...) grau
insuficiente”.
Em relação à gestão do
território 38% das unidades que representam 2.966 CRAS, declaram realizar ações
no sentido de gerir o território. A experiência da elaboração do plano de
gestão territorial em Campinas foi apresentada por Pini em CBAS (2013) e ilustra
os dados apresentados, pois conforme a autora se constatou, a existência de “equipes
reduzidas para dar conta de uma demanda muito superior a sua capacidade”, dispondo
de espaços para atuar com “contextos sociais tão precários como os vividos pela
população” atendida e, ressalta o desafio da “convivência no campo da política
pública, entre trabalhadores dos órgãos governamentais e de órgãos não
governamentais, com diferenças salariais e de condições de trabalho”.
Equipe de Trabalho do
CRAS
O perfil dos profissionais de
nível superior da Assistência Social é traçado em Brasil (2006, p. 141-142) que,
retrata um universo de 24.848 profissionais atuando no Brasil, destes 12. 543
são assistentes sociais, 4.553 são pedagogos, 4.481 são psicólogos, evidencia-se
desta forma a predominância de assistentes sociais. Portanto, os princípios
éticos-político-profissional de uma Nova Ordem Social desta profissão, estão imbricados
na prática destes trabalhadores no CRAS, ora em contradição, ora em similitude
com a proposta da Política Pública do Estado.
Conforme Ferreira (2011, p.
30) a equipe do CRAS é composta por técnicos de nível médio (ensino médio
completo) e técnicos de nível superior (graduados e bacharéis), estipulam-se
como necessários assistentes sociais e psicólogos, sendo o primeiro com preferência
a indicação para a gestão do CRAS. Mas, também deixa em aberto a presença de
outras profissões, porém privilegia as que possuem código de ética, com
possibilidade de responsabilização. A quantidade de profissionais por unidade
está relacionada à quantidade de famílias referenciadas e em acompanhamento no
PAIF.
A assistência social inovou
quanto à gestão do trabalho no âmbito do SUAS, visto que normatizou as relações
através da NOB/RH/SUAS e outras resoluções subsequentes. Adotou como modelo as
equipes de referências que Ferreira (ibidem, p. 25-31), compreende em duas
frentes: disponibilidade de profissionais para atender a população em uma
unidade próxima à residência, que seja servidor público de carreira, assim
facilita a referência; e uma equipe de profissionais com formações diversas que
possam contemplar de forma inter/multidisciplinar o atendimento as demandas da
comunidade.
Uma
questão importante nesta relação de trabalho está relacionada ao financiamento
do trabalhador, que conforme Brasil (2013, p. 47) até 2010 era de
responsabilidade dos municípios, mas a partir 2011 o ente Federal autorizou o
uso de recursos federais para este fim - Lei n° 12.435/2011. Desta forma
possibilitando “uma tendência ascendente na taxa anual de permanência dos
técnicos de nível superior nos CRAS” que, entre 2008/2009 era de 52,87%, já
entre 2011/2012 atingiu 77,12%. Porém, um dado importante do Relatório de
Gestão (ibidem p. 115) refere-se aos Recursos Humanos, apontado por 5.246
unidades, ou seja, 70,2% dos CRAS que não atingiram integralmente suas metas e,
à presença de uma chefia estatutária ou comissionada se torna a variável com
maior incidência.
Os
coordenadores e/ou chefias como designam algumas prefeituras, tem função
relevante para o desenvolvimento dos serviços alocados no CRAS, em Brasil (2009.
p. 41) encontramos a definição de algumas de suas atribuições que, são “planejar
coletivamente as atividades sob sua responsabilidade, em especial aquelas
relacionadas à gestão do território e do CRAS como unidade do SUAS (...) e; da
gestão da informação”.
Desafios e Tendências na Gestão do CRAS
Segundo Yazbek (2012, p.
215) o CRAS constitui-se em espaço de democratização, instância de controle
social, com atribuição de concretizar possibilidades de participação, para tornar
o usuário do serviço copartícipe no processo de planejamento, avaliação e
gestão do CRAS. Assim, o CRAS também
deve se ocupar em “estimular e fortalecer a organização e o associativismo
locais, independentes e autônomos do poder público”. Na mesma obra Yazbek
(ibidem. p. 175) discorre que o grande desafio está em
o CRAS realizar concomitantemente as
funções de proteção às famílias, defesa de direitos e vigilância das exclusões
e violações sociais podendo, dessa forma, captar necessidades de proteção
social e agir preventivamente antecipando-se à ocorrência de riscos e aos
agravos a vida.
Silva
em CBAS (2013) destaca algumas tendências na prática do CRAS frente à oferta de
serviços e benefícios, segundo a autora “não há uma atuação conjunta e articula
no âmbito (...) local”. Quanto à inclusão no Programa Bolsa Família (PBF) “é
centralizada em determinado espaço institucional distinto e separado dos CRASs”
e os profissionais de nível superior realizam “palestra informativa para as
famílias que irão se cadastrar”. Assim, se apresenta uma clara tendência dos
profissionais de nível superior não realizarem trabalhos burocráticos.
Outros dados importantes
debatidos no CBAS 2013 estão relacionados ao diagnóstico do território e a
visão que a população tem do CRAS, vejamos o que diz Torres em CBAS (2013), “a
inexistência de diagnóstico que subsidie um Plano Municipal de Assistência
Social interfere na prática cotidiana dos profissionais que exercem suas
funções nos CRAS”. Já Vergasta e Pereira em CBAS (2013) destacam, “a visão da
população usuária sobre os CRAS, como ‘casa da cesta, do óculos, do colchão’ e
não ‘casa da família’”, da cidadania. Destaca-se ainda que segundo Silva em
CBAS (2013) o “principal programa implementado pelos CRASs é o Bolsa Família”.
Gomes em CBAS (2013) nos
remete para o que se espera do profissional do CRAS e em especial dos
assistentes sociais, que segundo a autora devem contribuir “para um processo de
mudanças de suas próprias condições de trabalho, como igualmente, da realidade
social estabelecida, na busca concreta por alterações da realidade social”,
mesmo frente à constatada “escassez de recursos e das condições de trabalho
pouco favoráveis e de todo tipo de adversidade no exercício do cotidiano
profissional”. Portanto, o CRAS está em processo de construção da sua
identidade como Unidade Estatal no território que, deve ser forjada nas
contradições e demandas do Estado, da população atendida e dos trabalhadores do
SUAS, no bojo da política social neoliberal.
Para Concluir:
Há que se pensar a
assistência social e a Cidade em sua totalidade e complexidade, em uma
construção sócio histórica no chão da luta de classes, na dialética da
materialização da vida, marcada pela prioridade do capital em detrimento do
trabalho assalariado/precarizado e reconfigurá-las na conjuntura própria de
nosso tempo. Neste lugar o CRAS e sua equipe profissional em reciprocidade com
a população atendida se transmuta, de face do Estado no território para face dos
empobrecidos para o Estado.
A tarefa é árdua e os
percalços são incontáveis, mas o desejo de construir uma “Nova Ordem Social”, a
partir do território vivido, deve pulsar em cada profissional que compõem a
equipe do CRAS que, se torna lócus privilegiado de construção da cidadania
participativa, em busca da superação da segregação territorial e social, através
da conquista dos direitos sociais e da garantia de acesso à cidade como um dos
primeiros e se não o principal direito a ser conquistado, como lugar
da cidadania.
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